Maestro gravou disco que vendeu mais de 500 mil cópias antes de viajar para a Copa da Espanha. Ele conta início no Flamengo e revela fim de sonho em diálogo com Zagallo antes do tetra nos EUA
Por Fred Gomes, Raphael Zarko e Rodrigo Cerqueira — Rio de Janeiro
Junior entra na sua casa pela TV há quase três décadas. Certamente você sabe que o comentarista do grupo Globo foi um craque, ídolo do Flamengo e da seleção brasileira. Mas talvez nunca tenha ouvido falar que ele vendeu mais de meio milhão de cópias num samba que uniu a nação em torno do futebol encantador do Brasil de 1982.
Menos ainda sabe que Leovegildo Lins Gama Júnior nasceu em João Pessoa, veio para Copacabana ainda criança e seguia a carreira de estudante de administração de empresas quando decidiu se arriscar nos campos.
O Capacete, que mais tarde também ficou conhecido como Maestro, jogou até os 47 anos em alto nível na praia, sua primeira e grande paixão. Conheceu a esposa num pagode às vésperas de viajar para a Espanha. Sofreu ofensas racistas em campo na Itália e alimentou as chances de ir para a Copa de 1994, a do tetra, até leve atrito com Zagallo próximo do Mundial.
Na semana passada ele completou 70 anos em viagem a trabalho na cobertura da Copa América nos Estados Unidos e repassou a trajetória no Abre Aspas do ge.
Ficha técnica:
- Nome completo: Leovegildo Lins Gama Júnior
- Nascimento: 29 de junho de 1954 em João Pessoa (PB)
- Carreira: Flamengo (865 jogos, recordista), Torino e Pescara. Na Seleção, foi a duas Copas do Mundo (1982 e 1986), fez 69 jogos e seis gols. Foi treinador em curtas passagens por Flamengo e Corinthians. No Rubro-Negro, também foi diretor de futebol. É comentarista de futebol desde 1998.
- Principais títulos: Libertadores e Mundial em 1981; quatro títulos brasileiros (1980, 1982, 1983 e 1992); seis títulos Cariocas (1974, 1978, 1979, 1979, 1981 e 1991); Copa do Brasil em 1990. No Beach soccer, conquistou inúmeros títulos internacionais e continentais na segunda metade da década de 1990.
Abre Aspas: Júnior
ge: como você chega aos 70 anos?
Junior: — Se tem uma palavra que eu posso falar é gratidão. Eu consegui fazer aquilo que gostaria, que é uma coisa muito difícil você trabalhar naquilo que você gosta, tendo resultados, tendo alcançado objetivos e principalmente ter o reconhecimento das pessoas pelo trabalho que foi desenvolvido e que foi feito. É realização junto com gratidão, porque nessa trajetória toda foram muitas pessoas que, desde lá de trás, quando a gente começa, que te ajudaram.
Como se relaciona com essa passagem do tempo?
— Talvez até pelo fato de eu ter tido uma longevidade acima da média dos meus contemporâneos, não sofri tanto. Parei de jogar em 1993. Mas no mesmo ano começou o futebol de areia. Pude prolongar minha carreira, até os 47 anos ainda estava competindo. Tive um processo bem tranquilo. É lógico que existem os limites em função da questão física. Eu brinco sempre, toda vez que eu entro no Maracanã. A gente fica pensando: “caramba, o Maracanã está cada vez maior. Como é que a gente virava o jogo de um lado para o outro, né?” Lógico, muito menos idade, você estava preparado pra aquilo ali. Eu procuro, por uma questão de saúde, sempre fazer alguma atividade física. Seja jogando um vôleizinho na praia, seja andando de bicicleta, sempre fazendo alguma coisa, porque eu acho que o próprio corpo da gente, quando você passa muito tempo fazendo essas coisas, sente falta. E eu sinto falta. Quer dizer, para mim foi tranquilo, não tive, vamos dizer, esse problema de “ah, porque vou chegar aos 70…” Se eu estou chegando aos 70 anos bem, então é exatamente porque eu devo ter feito alguma coisa lá atrás que me deu essa possibilidade.
No fim de carreira, o Fernando Vannucci falava muito “Junior, o Vovô-garoto”. Incomodava?
— Muito pelo contrário, quando o Fernandinho falava isso, o vovô-garoto, que não era pejorativo, ele estava exaltando um cara com mais idade e ainda conseguindo acompanhar principalmente a rapaziada mais nova. Isso veio também até mesmo pelas companhias que eu tive no final de carreira. Júnior Baiano, Djalminha, Marquinhos, Nélio, Piá, essa molecada toda. Quer dizer, a cabeça vai tentando acompanhar um pouco tudo aquilo que eles faziam.
O apelido de Maestro também já surgiu mais velho e reflete bem essa fase né?
—Acho que os grandes responsáveis (pelo apelido) foram exatamente os garotos, essa molecada toda ali, né? Porque pra que eu pudesse ter rendimento, comportamento forte naqueles anos, eles foram grandes responsáveis não só dentro de campo, mas fora também. Porque eu acho que era uma obrigação, não só minha, mas também dos mais velhos, por tudo que a gente armazenou durante a nossa carreira, poder passar para esses caras. Dizer para eles da importância, a dimensão que era jogar no Flamengo e buscar objetivos, como a gente alcançou durante aquele período. E eu acho que essa obrigação, ela se transforma numa coisa extremamente gratificante. Eu acho que o fato de estar com eles no dia a dia, de orientar, principalmente, e dizer pra eles.
— Eu era o irmão mais velho deles. Porque eles estavam começando uma coisa que eu já estava terminando. E contava histórias pra eles. A gente teve a sorte de ter um treinador, um cara também que os conhecia muito bem, que era o Carlinhos. Quer dizer, as coisas se encaixaram de uma forma que a gente pode conduzir, de uma maneira, que até hoje a gente tem o nosso grupo no celular, a rapaziada se fala, caso alguém tenha alguma dificuldade, alguma coisa, a gente mantém o contato.